Disfunções microcirculatórias e alterações na coagulação fazem parte do complexo quadro de doença sistêmica causada pelas infecções pelos vírus da dengue (DENV) e pelo SARSCoV-2, causador da COVID-19. Na dengue, essas alterações estão associadas a vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, e hipotensão, enquanto na COVID-19 os distúrbios vasculares, associados a hiperinflamação, culminam em manifestações tromboinflamatórios e disfunção respiratória. A via de contato da coagulação ou sistema calicreína-cinina (KKS) é um sistema endógeno composto por um conjunto de serino proteases envolvidas na regulação da coagulação e da pressão sanguínea, além de processos inflamatórios, o que nos motivou a investigar o papel do KKS na patogênese de ambas as infecções. Demonstramos nesse trabalho que plasmas de pacientes infectados com DEV (n=70) apresentavam o KKS ativado, independentemente da gravidade dos sintomas clínicos ou da fase clínica da infecção. Empregando um modelo de infecção endotelial in vitro demonstramos que a bradicinina -BK (produto da via ativada), ativando seu receptor B2R em HBMECs previamente infectadas reduziu os níveis intracelulares de óxido nítrico (NO) e retardou a apoptose, sugerindo que a inibição da indução de NO por DENV após adição de BK resgatava as células do processo apoptótico, contribuindo para maior replicação viral. Em busca de prova de conceito em modelo animal de dengue, desafiamos camundongos BALB/c adultos inoculando DENV pela via intracerebral. Nesse modelo, observamos que a inoculação do antagonista do B2R icatibant no momento da infecção diminuiu a carga viral nos tecidos cerebrais dos animais. Iniciando uma avaliação mecanística das vias envolvidas na ativação do KKS pelo DENV, demonstramos que HBMECs infectadas com DENV ou incubadas com meio condicionado de uma linhagem de mastócitos humanos (HMC-1) préativados pelo vírus induziram clivagem de cininogênio (HK) in vitro. Em resumo, nosso primeiro conjunto de dados sugere que a infecção de células endoteliais e mastócitos com DENV pode contribuir para ativação do KKS seguido do aumento de BK, que por sua vez modula produção de NO, apoptose do endotélio e replicação viral, eventos possivelmente implicados na patologia microvascular na dengue. Enfrentando o desafio de contribuir para o entendimento da patogênese da COVID-19, avaliamos o status do KKS em amostras de soro de pacientes infectados com SARS-CoV-2. Tal como observado nos pacientes com dengue demonstramos que pacientes com COVID-19 apresentaram intenso consumo de fatores do KKS. Visando estudar futuramente o papel do KKS nas disfunções microvasculares na COVID-19, avaliamos a susceptibilidade, permissividade e ativação de HBMECs pelo SARS-CoV-2. Demonstramos nesses ensaios in vitro que HBMECs não são produtivamente infectadas. Não obstante isso, observamos robusta ativação celular, revelado pelo aumento da expressão dos transcritos de citocinas (IL-6, IFN-β, ISG15, IL-8) e quimiocinas pró-inflamatórias (CCL5 e CCL2), ACE-2 e dos receptores B1R e B2R. Em suma, nosso conjunto de dados sugerem que a ativação sistêmica do sistema de calicreínacinina durante a infecção pelo DENV e SARS-CoV-2 pode contribuir para a fisiopatologia das manifestações observadas na dengue e COVID-19 através da sinalização dos receptores de bradicinina em células endoteliais.
Palavras-chave: DENV, SARS-CoV-2, Calicreína-cinina, Bradicinina, HBMECs, Mastócitos
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